Conversamos com Fernando Fegyveres, investidor anjo e conselheiro da Beaver e de outras empresas, sobre a experiência no SXSW 2024, o maior festival de inovação do mundo! Confira:
1. Quais foram os aprendizados mais surpreendentes nesse SXSW?
Em um evento pautado por inovações, tecnologia e futurismo com veículos voadores autônomos e mamutes ressuscitados com engenharia genética, o que mais me surpreendeu foi ver o quanto temas mais humanos – relacionamentos, conexões reais e comportamentos - dominaram grande parte das palestras mais concorridas e rodas de conversas nos happy hours.
A edição de 2023 foi inundada pela disrupção do Chat GPT e os LLMs, quando assisti à palestra do Greg Brockman num misto de euforia e choque, imediatamente após o lançamento feito pela Open AI. A pauta dominante do ano passado foi sobre como a inteligência artificial e as máquinas iriam dominar o mundo, tornando os humanos obsoletos - a ficção de filmes como Exterminador do Futuro se tornando assustadoramente possível e próxima. Um ano após o frisson, a edição de 2024 me mostrou que o futuro continua nas mãos dos humanos, para o bem e para o mal. As tecnologias são e serão cada vez mais potentes e nos tornarão mais produtivos e cabe a nós utilizarmos as novas ferramentas a favor de nosso bem-estar, nossos negócios e da humanidade.
Na trilha de Cultura, fomos brindados no primeiro dia com uma alta dose de consciência e humanidade numa conversa entre a cientista e diretora de missões científicas espaciais da NASA, Dra. Lori Glaze, e a prêmio Nobel de poesia Ada Limón. Ada foi escolhida pela NASA para gravar uma mensagem inspiradora em placa afixada na nave Europa Clipper (lançamento previsto para outubro de 2024) com uma mensagem da Terra a ser lançada rumo a Europa, uma das luas de Júpiter, onde cientistas acreditam na possibilidade de vida em oceanos líquidos abaixo da crosta de gelo. Com o dom da comunicação, Ada nos presenteou com sua visão inspiradora e extraordinária percepção da realidade: “O que une poesia e ciência é a curiosidade. Iniciamos com perguntas e terminamos com mais perguntas. De onde viemos? A que tribo pertencemos? Viemos das florestas, pertencemos ao planeta Terra.”
Numa das mais concorridas sessões, ficamos eletrizados pela divertida e profunda conversa entre Esther Perel e a Dra. Brené Brown – cada uma sozinha já valeria a viagem para Austin! Elas falaram sobre como a hiperconexão, as mídias sociais e a enorme quantidade de tempo que dispendemos em nossos celulares e computadores estão tornando os relacionamentos superficiais e artificiais, epidemia ainda mais forte nas novas gerações. O que deveria nos aproximar, hoje afasta as conexões verdadeiras, a presença física, o conforto emocional, intimidade e relações de confiança de que o ser humano tanto precisa. A espécie humana foi tão bem-sucedida na evolução natural por ser uma espécie social, onde a colaboração do coletivo supera os desafios mais complexos. Esther Perel cravou: “A qualidade de seus relacionamentos determina a qualidade da sua vida. A complexidade dos relacionamentos não se resume a questões binárias de sim ou não. Não são problemas que resolvemos e sim paradoxos que devemos gerenciar”.
Finalmente, Amy Gallo, pesquisadora da dinâmica em ambientes de trabalho e colaboradora da Harvard Business Review, abordou de forma objetiva o quanto as tensões, fofocas, manipulações e pessoas difíceis prejudicam a performance individual e coletiva nas empresas. Suas pesquisas mostram que melhores decisões são tomadas por times onde há confiança e as pessoas se sentem seguras para discordar e expressar suas opiniões. Quando o conflito saudável de ideias não se torna confronto entre pessoas, a criatividade, resultados e crescimento prosperam e todos ganham, pois o ser humano é muito mais produtivo em ambientes de confiança e sem sentimentos tóxicos como medo, vergonha e ressentimento.
Citando Peter Drucker, eu realmente acredito que a cultura come a estratégia no café da manhã. Uma cultura de confiança, abertura, respeito e engajamento genuínos energiza as pessoas e é a maior força motriz das empresas. Nós somos muito mais felizes e produtivos quando nossos relacionamentos são pautados por transparência, integridade e confiança – nossas conexões e senso de pertencimento nos motivam a trabalhar com muito mais afinco em busca do propósito comum – e cabe a todos que estão em posições de liderança e influência inspirar e fomentar um ambiente positivo e produtivo. Sem uma cultura saudável, as boas ideias não podem ser bem executadas.
O ser humano tem destas coisas: precisamos de certo tempo para nos adaptarmos a mudanças, especialmente as transformações tão impactantes e hiper aceleradas que estamos vivendo em nossa era. Independente das tecnologias, é o humano, o individuo que move o mundo e as corporações. E as coisas ficam muito mais claras quando entendemos que as inovações não existem fora do contexto humano. Que façamos o melhor uso da inteligência artificial e de toda a transformação que vem pela frente.
2. Você assistiu a alguma palestra ou painel que te impactou profundamente? Qual foi?
Uma das maiores celebridades do evento, a renomada futurista Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, fez uma palestra marcante, ilustrando bem a avalanche de transformações que estamos vivendo, enfatizando que isso é apenas o início de um novo superciclo econômico e de transformações radicais baseados em três tecnologias de propósito geral (general purpose technologies) atuando ao mesmo tempo: inteligência artificial, biotecnologia e a interconexão de ecossistemas, objetos e pessoas por seus devices e wearables. Para termos uma ideia, cada uma das três tecnologias sozinha já seria responsável por um superciclo, sendo que elas se retroalimentam, uma acelerando o desenvolvimento da outra: “Juntas, vão redesenhar absolutamente todos os setores da economia e da sociedade.”
Assim como na revolução industrial, com a energia elétrica e a internet, os superciclos se iniciaram com o desenvolvimento de uma nova tecnologia de propósito geral. A partir da nova tecnologia nas décadas que se seguiram a humanidade foi desenvolvendo uma miríade de usos cada vez mais diversos, engenhosos e poderosos que transformam a sociedade de maneira definitiva: da máquina a vapor às fábricas e sindicatos, da energia elétrica aos lares modernos e supercomputadores, da internet a novos modelos de negócio que nos trazem serviços, conexão e comodidade ao toque de um botão.
Após consumirem todos os dados disponíveis online, os Large Language Models (“LLMs”) que viabilizam a inteligência artificial, passarão a se alimentar de nossas ações através de computadores faciais e outros devices conectados ao nosso corpo, acompanhando nossa saúde, interpretando e antecipando nossas emoções, vontades e necessidades – são os Large Action Models ou LAMs. Segundo Amy Webb, com a IA, hiper-conectividade e biotecnologia os próximos anos serão de transformações dramáticas para a humanidade. E desta forma, todos agora pertencemos à geração T, de “transição”.
3. Houve alguma tecnologia ou inovação apresentada que você acredita que vai mudar o nosso futuro?
Cientistas estão desenvolvendo computadores biológicos ou cérebros artificiais. A computação biológica parece ficção, mas seu desenvolvimento avança rapidamente a ponto de pesquisadores já estarem obtendo resultados concretos em laboratório. A Inteligência Artificial e seus Large Language Models demandam um volume astronômico de capacidade computacional, velocidade de processamento e energia elétrica que podem virar gargalos para dar conta de tudo que se vislumbra pela frente. A famosa lei de Moore parece estar chegando ao seu limite dentro da lógica atual baseada em microchips e computadores tradicionais, e novas fronteiras de computação com abordagens mais inovadoras e que rompem com a lógica atual são necessárias.
Em fevereiro de 2023, cientistas da Johns Hopkins criaram uma nova fronteira na computação biológica, batizada de Inteligência Organoide (OI em inglês). A OI se baseia na computação neuro morfológica, inspirada na estrutura do cérebro, que processa e armazena enormes quantidades de informações de forma simultânea e eficiente. O uso de materiais biológicos como neurônios multiplicados em laboratório e interconectados a outras estruturas sintéticas potencializa os benefícios de suas capacidades, que vão muito além dos sistemas tradicionais baseados em placas de silício. Espera-se que a OI seja capaz de processar todas as tarefas demandadas pela AI consumindo uma fração dos recursos requeridos pela computação tradicional.
Outras iniciativas incluem circuitos biológicos feitos de DNA sintético para computação e armazenamento de dados. As informações armazenadas no DNA se baseiam num código de quatro dígitos (ACTG) ao invés do código binário de 0s e 1s da computação tradicional. E não se trata de iniciativas pontuais: há diversas pesquisas em universidades nos Estados Unidos, Europa, China e até no Brasil, além de empresas como Microsoft, IBM, Dell, Lenovo e Fuji. Como a Amy Webb disse em sua palestra: a biotecnologia e a inteligência artificial são dois superciclos que se alimentam um do outro e podem realmente transformar todo o mundo como conhecemos hoje.
Finalmente, participar de diversas atividades imersivas de realidade virtual e aumentada (VR, XR e AR) superou de longe as minhas melhores expectativas – você realmente se sente dentro dos filmes e games com diferentes níveis e possibilidades de interação. A impressão é que estamos de fato nos ambientes reais e interagindo com os personagens. Pude experimentar o Quest da Meta e o Apple Vision Pro e mesmo sabendo que há um período de desenvolvimento e evolução, acredito que a qualidade já está impressionante. Especialistas antecipam que o futuro do cinema mudará de entretenimento passivo para interativo numa convergência entre cinema e games com geração instantânea de imagens com uso de AI e de processadores poderosos. Além do entretenimento, estes equipamentos podem ter inúmeras aplicações práticas como cirurgias e outros procedimentos remotos, entre muitas outras possibilidades.
4. Sobre IA, o que você conheceu lá e que ainda não sabia?
Vou destacar alguns insights muito interessantes. Ian Beacraft, founder e CEO da consultoria de IA e inovação Signal And Cipher, acredita que a maior ameaça aos empregos não é a IA e sim uma liderança empresarial fraca, apegada a modelos antigos e com mentalidade de resistência. A tecnologia evolui de forma exponencial (os modelos de IA evoluem em capacidade ao ritmo anual de 5 a 10 vezes), mas empresas e pessoas tendem a evoluir de forma linear, e isso cria um descompasso gerando uma colisão entre as tecnologias do futuro e os modelos mentais do passado.
A resposta que ele apresenta é a necessidade de uma completa reinvenção dos processos e das estruturas organizacionais onde as pessoas não serão mais alocadas em departamentos por área de expertise, pois a IA fará o trabalho especializado pilotada por generalistas criativos, os seres humanos que farão as demandas para IAs especialistas conforme as necessidades (legal, TI, financeiro, design, etc.). Para isso, os processos precisam ser reimaginados e, ao invés dos atuais processos em que a tarefa vai passando de área para área, as organizações serão geridas por agentes responsáveis por entregas finais, com suas capacidades e produtividade extremamente aumentadas com diversas ferramentas de IA. O trabalho será muito mais dinâmico e produtivo e tarefas que levavam meses para serem executadas levarão horas. Com a cultura, processos e estruturas adequadas e ferramentas de IA, Beackraft acredita que logo empresas com times extremamente enxutos e produtivos serão capazes de valer bilhões.
Em outra palestra, Ray Kurzweil, futurista, escritor e inventor foi na mesma direção de Ian: o cérebro humano tem 1 trilhão de conexões. O Chat GPT4 alcançou 400 bilhões e, num futuro próximo deverá ultrapassar o cérebro humano. Na visão dele, ao invés de eliminar postos de trabalho, esse avanço em IA dará mais poder às pessoas, distribuindo talentos para quem não tem. Alguém sem veia artística, mas com criatividade e inventividade, pode escrever prompts para IAs que complementarão o trabalho.
Finalmente, a expert em desenvolvimento de chips, Dra. Lisa Su, chair e CEO da AMD, acredita que os computadores pessoais como conhecemos evoluirão para computadores com inteligência artificial nativa ou os AI-PCs. Além de maior confidencialidade em cima das informações alimentando usos específicos de IA com dados privados, isso dará ainda mais autonomia e liberdade para usuários resolverem seus desafios. Dra. Su acredita que as pessoas precisam ter habilidades de resolução de problemas e pensamento crítico para conseguir os melhores resultados com estas novas tecnologias.
Uma conclusão que é consenso: as transformações que a IA vai possibilitar estão apenas começando. Uma analogia interessante é o desenvolvimento dos negócios com o auxílio da internet: no início, empresas replicaram modelos de negócios existentes com uma interface de conectividade, espelhando o mundo real. A verdadeira disrupção veio quando modelos de negócio totalmente novos, com processos desenhados em cima das novas possibilidades foram lançados, a exemplo do Uber, Airbnb, Amazon e Facebook.
5. Quais os insights você traz do evento enquanto conselheiro da Beaver?
Como IA Especialista, entendo que a Beaver tem um futuro muito promissor, em linha com as previsões de Ian Beackraft. A Beaver está no caminho correto ao usar a IA para soluções de problemas reais de uma gama muito grande de clientes. Empresas de todos os portes e setores precisam tratar dados e informações de documentos. Estes dados, que estão hoje em linguagem natural escrita, precisam ser capturados, tratados e apresentados para que as empresas possam fazer análises, obter insights, tomar decisões e automatizar processos de forma segura e escalável. Livres de tarefas manuais de leitura, categorização, digitação e tratamento inicial de informações, as pessoas podem passar direto para interpretação de resultados e tomada de decisões, muitas delas também feitas de forma automática e possivelmente com outras ferramentas de IA alimentando outros modelos e etapas de processos das empresas. E tudo isso numa escala e velocidade hoje impensáveis – exponencial e não mais linear.
Segundo Ian, em média as pessoas gastam 32 dias úteis por ano recuperando informações de e-mails, arquivos e documentos. Empresas que utilizam as soluções da Beaver já estão tendo ganhos importantes de produtividade, e acredito que este é só o começo. Bancos e empresas poderão capturar e analisar dados da documentação societária, de garantias e dados cadastrais de seus clientes atuais e potenciais, alimentando seus modelos de tomada de decisão para aprovar créditos, fechar negócios e avançar suas vendas de forma segura e escalável.
Daniel Kwan e Daniel Scheinert, autores e diretores do premiado filme Everything Everywhere All At Once (11 indicações, vencendo 7 Óscares em 2023, incluindo melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original) fizeram uma apresentação incrível sobre a arte de contar histórias e o segredo para o sucesso de seus filmes. Seus insigths têm aplicação prática para todos os negócios. Os Daniels utilizaram o diagrama de Venn e a filosofia japonesa do Ikigai mostrando que cada um de nós deveria focar na intersecção de 4 círculos, cada um compreendendo um conjunto de possibilidades e tarefas: i) as coisas que amamos fazer, ii) o que temos capacidade/aptidão para fazer, iii) o que o mundo necessita e iv) o que efetivamente nos remunera/tem valor. No processo criativo de seus filmes eles sempre voltam aos 4 círculos para verificar se estão no caminho correto – o filme precisa necessariamente satisfazer os requisitos dos 4 círculos, senão eles mudam o curso ou abortam. Parece simples e óbvio, mas a realidade que observamos nas empresas e nas atividades das pessoas muitas vezes passa longe desta lógica. Este é um método muito bacana que podemos aproveitar na Beaver, seja nas nossas definições estratégicas, planejamento e desenvolvimento de soluções, seja na atribuição de papéis e responsabilidades de nossos colaboradores.
Finalmente, as reflexões sobre pessoas e relacionamentos da trilha de Cultura reforçam minha visão de que a Beaver, assim como qualquer organização, precisa servir a algum propósito na sociedade. Isso significa trazer soluções e produtos que sejam relevantes para pessoas e negócios. Precisamos entender que problemas resolvemos, que dores curamos, como apoiamos nossos clientes em suas jornadas e que valor geramos para eles. Não podemos perder a conexão e empatia com nossos clientes e com as pessoas que os representam e se relacionam com nossas soluções e com nosso time. A tecnologia pode ser de ponta, mas serão sempre as relações humanas e conexões verdadeiras que nos apontarão os caminhos corretos.
6. Você recomenda a participação no SXSW, quais as melhores dicas para quem quer ir?
Recomendo demais!
Austin é uma cidade alegre, musical e moderna, com atmosfera leve e despretensiosa.
O SXSW começou como um evento artístico, onde novos talentos se apresentavam para serem descobertos pela indústria da música. O festival cresceu e incorporou outras artes como cinema e passou a atrair multidões em busca de inspiração, criatividade e conexões. E com o tempo vieram as tribos de inovação, tecnologia e novas tendências, formando o caldeirão de hoje que abraça e incorpora tudo isso.
O conteúdo é vasto e à primeira vista parece que não vamos dar conta e nos perder em meio à confusão de palestras, eventos, ativações de marca, shows, festas e milhares de coisas acontecendo ao mesmo tempo. Sem falar na aflição do FOMO (Fear of Missing Out), impossível não ter.
Desta forma, ainda no Brasil, se prepare antes, entenda e conheça quem vai palestrar, o que vai rolar, quais os eventos mais concorridos, estude quais os temas e palestras de seu interesse. Não foque apenas em uma trilha, fuja dos seus padrões mais óbvios e de seu campo principal de atuação e entenda que não é viável ver tudo – e tudo bem! Vá de cabeça e coração abertos para expandir seu conhecimento e sua consciência, conhecer e interagir com novas pessoas em campos e ideias diferentes do seu background – por exemplo, eu venho de finanças e negócios e agora estou cheio de amigos publicitários! Tenha sempre mais de um plano para cada dia e horário (Plano A, B, C...) e esteja pronto para não fazer nenhum deles porque apareceu algo mais interessante na hora e você foi no embalo! Depois você sempre pode assistir às gravações e ouvir os amigos que foram - mas nada supera as sensações do momento.
Finalmente, vale muito ir com grupos que ajudam na organização e curadoria de conteúdo, além de proporcionarem excelente network e maravilhosas companhias nesta jornada de aprendizados e autoconhecimento. E acima de tudo, divirta-se, pois a cidade, a música e o astral são sensacionais! E o melhor de tudo, voltamos cheios de novos amigos, novas ideias e novas inspirações!
— Fernando Fegyveres, Board Member, Angel Investor e Business Strategist
Conselheiro Beaver | www.beaver.com.br
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