"Houston, acabei de fechar um mega-round para minha startup."
Parece brincadeira mas não é. Hoje as startups comemoram suas rodadas de investimento como se estivessem pisando pela primeira vez na Lua. Se por um lado, trata-se de um grande feito, restrito a poucos e com probabilidade baixíssima de ocorrência, por outro, o endeusamento da indústria de venture capital ofusca outras rotas de crescimento que podem ser mais saudáveis para as empresas de tecnologia.
Um refresh sobre a dinâmica de VC
Acredito que você já conheça o básico da dinâmica da indústria de VC, mas não custa relembrar. Os capitalistas de risco têm como objetivo identificar e financiar empresas de tecnologia em troca de participação societária para posteriormente vendê-la multiplicando o capital investido. Os VCs arrecadam dinheiro de famílias endinheiradas, fundos de pensão e instituições e concentram em um fundo para fazerem suas apostas. Se estiverem certos, recebem uma parte dos retornos do fundo - geralmente 20% dos ganhos.
Acontece que a maioria das empresas investidas não chega a abrir capital ou ser adquirida. A grande maioria fracassa, logo nos primeiros estágios de crescimento. Na prática é comum que o retorno do principal case de sucesso do fundo (a venda de uma única empresa) represente mais de 90% do retorno total do fundo, com as demais investidas apresentando retornos negativos ou recuperando minimamente o capital investido.
Fonte: Venture Capital e a sua matemática: como funcionam? (aceventures.com.br)
Por isso os fundos buscam empresas que tenham um potencial astronômico de crescimento e que possam retornar pelo menos 10x o capital investido. A busca por uma empresa que tem potencial para pagar o retorno do fundo inteiro. Isto se traduz em uma série de critérios estritos de seus comitês de investimentos. Alguns são explícitos e ditos logo nas primeiras reuniões, outros são trancados a 7 chaves por seus comitês.
Na prática, vejo os investimentos de VC sendo orientados por uma combinação dos critérios abaixo:
O fundador:
Graduação ou MBA em Ivy League;
Já realizou ao menos um exit;
Trabalhou em outras startups de renome, consultorias ou bancos de investimentos globais.
O negócio:
Cresce a no mínimo 100% a.a.;
Tem um mercado endereçável superior a USD 1 Bi.
Usa as tecnologias do hype do momento (IA, WEB3, Climate Tech…)
O que acontece com as 99,9% empresas que não atendem os critérios de investimento?
Converso e assisto muitos founders que se frustram por não conseguirem a captação com VC. Muitos fazem esforços homéricos para mudarem suas narrativas, promovem mudanças em suas estratégias de crescimento ou gastam muita energia tentando convencer os fundos de que merecem uma chance. Se você nunca passou por isso, confie em mim, não é uma experiência muito agradável.
Vale a indagação desnuda: até que ponto a atitude dos founders é pensando no melhor para empresa ou uma reação emocional para ser aceito no clubinho? Entendo que os gestores de VC geralmente são pessoas inteligentes e estão numa posição privilegiada de poder avaliar vários negócios de forma isenta. No entanto, até mesmo julgando pelo desempenho medíocre de seus resultados históricos, estão longe de ser os donos da verdade.
A rejeição dos VCs é uma oportunidade para o founder reafirmar sua convicção no negócio, reajustar a rota (ou não) e especialmente rever a sua necessidade de captar. O que o mainstream não conta, é que não conseguir captar muitas vezes é uma benção.
A realidade é que junto com o cheque, vem uma significativa diluição de % societário, perda de direitos econômicos e políticos na sociedade, além de uma grande pressão por resultado e em muitos casos intervenções inconvenientes no negócio.
Ok, não dá para pintar um quadro de terror, na prática existem fundos pro-founder mas em maior ou menor grau você pode esperar uma combinação dos fatores acima. Lembre que a lógica é simples, o fundo aportou X e quer sacar 10x no menor prazo possível. E se tudo der errado, quer ter seu capital preservado. A pressão de entregar esse resultado recai sobre os fundadores que pela primeira vez na vida, tem um chefe real.
A pergunta é: será que não existe um caminho mais inteligente?
Você não é o patinho feio.
O empreendedor raiz é aquele que tirou uma empresa do papel com suor e lágrimas, pegou dinheiro emprestado com a família, tomou o chapéu do primeiro sócio, quase quebrou 2x e conseguiu aos trancos e barrancos chegar no break-even.
Ele não cresce a 100% a.a. mas 40%, não fez graduação em Stanford mas conhece como poucos o seu mercado. É obrigado a gerar caixa para pagar as contas e só consegue fazer isso com a ajuda do seu time e cuidando muito bem de seus clientes.
Essa é a vida vivida do empresário - de sucesso - brasileiro. A saga do empreendedorismo tem seu preço e cada vez mais vejo os fundadores, com razão, priorizando o equilíbrio em suas vidas em detrimento do enriquecimento rápido e a qualquer custo. Com maior clareza de que o desfrute da jornada tem igual ou maior importância do que o resultado final.
Isso não significa trabalhar pouco ou com menos afinco, mas conseguir viver uma vida nos seus termos para priorizar outros pilares como saúde física e mental, tempo com a família e para si mesmo. Ele não se encaixa no VC-track, mas sonha em vender sua empresa e ter mais tranquilidade em sua vida.
O que a grande maioria não sabe é que conseguir “pular” a etapa do financiamento com VC e construir um negócio auto-financiável pode aumentar significativamente o valor e a probabilidade de êxito da venda da empresa. O principal argumento é que existe um ponto ótimo de crescimento onde a empresa “cabe” dentro do budget de M&A das grandes empresas consolidadoras
Quantas empresas possuem R$ 200 milhões em caixa para destinar a aquisição de uma startup? Pouquíssimas. À medida que o valuation se torna menor, aumenta o número de bolsos acessíveis.
A preservação do equity (não diluição) também é um fator determinante. A cada rodada realizada a participação é mais diluída e para o founder perceber o mesmo valor financeiro ele precisa crescer ainda mais a empresa. Essa matemática tem que ser clara.
Estar no controle do timing do exit, também é decisivo. E como dono, você tem o direito de ponderar não só os fatores de mercado, mas também o seu momento e aspirações pessoais.
Recomendações para o Founder Raiz
Para finalizar, apresento algumas práticas que têm o poder de elevar suas chances de
sucesso e evitar situações indesejáveis:
Nutra relacionamento com os principais players do seu mercado (futuros compradores);
Construa uma empresa que não seja dependente de você, formando um time capaz de dar sequência no projeto na sua ausência;
Entenda a dinâmica do valuation de médias empresas e não nutra expectativas infundadas sobre o valor da sua empresa. Quer um valor maior? Cresça sua empresa, o mercado não vai abrir uma exceção para você;
Invista em uma boa contabilidade e controladoria financeira;
Prepare-se emocionalmente antes de iniciar o processo de M&A. Será uma fase longa e desgastante.
Conclusão
Acredito que a motivação - o que motiva a ação - de cada empreendedor é única. No meu caso, uma composição de:
Alcançar ambições materiais;
Motivação por resolver um grande problema e;
Deixar um legado para sociedade.
A partir de determinado R$ X, não importa o quanto mais você acumule, o incremento de felicidade e realização pessoal, será marginal.
Conheço alguns empresários que deixaram de realizar transações maravilhosas (que hoje
não estão mais na mesa) por vaidade ou ego de ceder algumas cláusulas ou alguns trocados.
A fila do M&A anda rápido. Sempre pondere as decisões pela realidade impositiva brasileira: a liquidez para transações de M&A no Brasil ainda é muito baixa. Por isso, ao receber uma oferta de aquisição, agradeça e considere-a com carinho.
Meu falecido avô tinha uma máxima que se aplica aqui: “Jãojão, cavalo encilhado só passa uma vez”.
— João Vitor Carminatti, CFA, CEO da Stark
Colunista
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